METODOLOGIA MÃE CANGURU – Uma luz de esperança

-Dr. Hector Martinez Gomez, Instituto Materno Infantil, Bogotá. Março de 2019.-

Há 40 anos iniciamos a Metodologia Mãe Canguru como uma luz de esperança, e desde então ela tem sido e seguirá sendo um caminho promissor para cerca de 20 milhões de meninos e meninas que ainda nascem e seguirão nascendo prematuros ou com baixo peso, apesar dos fantásticos avanços da Medicina.

Hoje, como há 40 anos, creio que o amor é o mais forte motor que move o mundo. Para mim, a Metodologia Mãe Canguru é uma luz que constatei e na qual confio, como ser vivo que sou. Um caminho que vê a vida crescer em suas mãos e que lhe toca em todo o seu esplendor, tal como foi procriada por um casal em um ato de amor, ou ao menos da paixão que apenas se vê entre seres humanos.

Não vi e nem conheci nenhum livro de Medicina que abordasse o amor, as emoções, os sentimentos e suas repercussões com propriedade, e que os transmitissem aos estudantes como conceitos importantes no exercício da profissão médica. Muito pelo contrário, o que geralmente se recomenda é que, para que as decisões sejam corretas, os profissionais devem ser frios, com a finalidade de não se envolverem emocionalmente. Que grave erro, já que sabermos que as emoções e os sentimentos permeiam todas as ações humanas, ali estão e sempre estiveram, desde há 10 milhões de anos ou mais, tempo que já dura a história humana. Um ser humano – uma criança- hoje é tão igual como a que nasceu há milhões de anos.

A Metodologia Mãe Canguru é para mim uma luz, já que o contato pele-a-pele é uma imensurável força, que não só atua física e emocionalmente, como também intelectualmente. O protagonismo de uma mãe é e sempre foi crucial no desenvolvimento da criança. É por esse caminho que a mãe com seu filho inicia um campo fascinante de estimulações bioquímicas, hormonais e emocionais de grande transcendência para o melhor desenvolvimento do ser humano. E nenhuma tecnologia, por mais avançada e cara que seja, jamais poderá substituí-lo. Sempre foi assim e assim será sempre.

No Instituto Materno Infantil de Bogotá, Colômbia, anunciamos ao mundo, em 1979, que havíamos redescoberto um novo caminho: o contato pele-a-pele entre a mãe e seu pequeno filho recém-nascido. Uma luz, um marco na história da humanidade, onde o contato pele-a-pele se converte na melhor proposta para que a vida siga florescendo. É a forma de potencializar a entrega de amor, possibilitando reduzir o estresse, sentir que a vida é digna, que não importa a diferença de idade dos protagonistas. Para mim, é o espetáculo mais maravilhoso do mundo: a vida em todas as suas tonalidades, a entrega e a aparente fragilidade e passividade de quem a recebe.

O contado pele-a-pele é a melhor proposta para reduzir tanto o estresse da mãe como o estresse do recém-nascido. Favorece uma adequada utilização energética: anabolismo; estimula de maneira mais importante a reorganização neurológica do recém-nascido pré-termo e ao mesmo tempo o ordenamento emocional tanto da mãe como do bebê e, também muito importante, o de sua família próxima e distante.

O contato pele-a-pele igualmente favorece uma sincronia térmica mãe-filho, de tal forma que a temperatura da mãe aumenta ou diminui em direta relação à do bebê, mantendo-a dentro de um limite fisiológico. Nessas condições especiais, o contato fomenta o sono profundo que favorece a maturação do sistema nervoso central, diminuindo no bebê cerca de 30% de sua atividade motora; incrementa o estado de vigília repousado fundamental para os períodos de máxima interação mãe-filho, reduzindo significativamente o choro do bebê - o que melhora sua saúde; e, também, diminui por igual a ansiedade materna.

Tenho convicção de que se tratar de uma luz ao observar como a mãe, ao ter seu filho nu sobre o tórax, sente-se naturalmente motivada a acaricia-lo, iniciando desta forma a estimulação somatossensorial. Com esse estímulo se incrementam os níveis de gastrina, insulina, hormônio do crescimento e colecistoquinase.

A economia energética produzida ao permanecer o bebê, no maior tempo, em estado de baixo consumo calórico - tal como em vigília repousada, sono profundo, menor atividade muscular, menor período de choro - possibilita maior ganho de peso e anabolismo. A respiração durante o contato pele-a-pele é mais regular e profunda, com diminuição dos períodos de apneia. A frequência cardíaca se mantém estável. O pele-a-pele facilita o movimento, a maturação do cerebelo, a localização no tempo-espaço.

A proximidade íntima mãe-bebê contribui para favorecer a alimentação com o melhor leite, o incomparável leite materno, garantia para o melhor desenvolvimento e também para a prevenção de infecções (maior causa da mortalidade nos nascidos prematuramente).

A Metodologia Mãe Canguru foi e continua sendo uma luz de esperança que, em 40 anos, sob os princípios do AMOR, CALOR E LEITE MATERNO, permitiu que vivamos com verdadeira alegria.

Entre muitos, vejamos esse exemplo: no momento do nascimento, uma jovem mãe de 22 anos falece. Seu bebê pré-termo sobrevive no IMI de Bogotá. Seu também jovem pai, zelador vigilante em uma fábrica da cidade, com jornadas de 24 horas e um dia intermediário de descanso, se responsabiliza pelo cuidado do seu filho. A cada três dias ele vinha ao nosso ambulatório, onde monitorávamos o crescimento e desenvolvimento do seu filho. Ali, durante essas visitas, era recolhido leite humano das outras mamães que igualmente traziam seus bebês prematurinhos às consultas. No dia seguinte, depois de cumprir sua jornada de 24 horas de trabalho, o bebê vinha à consulta do Programa Mãe Canguru com -quem acreditaria! - o colega de trabalho deste pai, também zelador vigilante, que fazia o outro turno. Ele seguia o mesmo esquema: chegava com o bebê em posição canguru, coletava o leite das outras mães para que seu colega de trabalho, o pai biológico- assumisse o cuidado e alimentação da criança em casa.

Esta história da vida real, de alto conteúdo humano, de valor social incalculável, nos demonstra o que significa o Mãe Canguru, o enorme sentido humanitário envolvido em cada um dos protagonistas.

Infelizmente, não temos espaço para contar o sem número de histórias e casos que documentam o valor do que temos conquistado durante 40 anos.

Inícios

Tudo começou quando o Dr. Edgar Rey Sanabria (in memoriam) comentou comigo que a melhor forma de combater a alta morbidade e mortalidade que observávamos no IMI era a utilização do leite das próprias mães. Até então, alimentávamos os bebês como era de costume, com as fórmulas infantis, aparentemente reconhecidas no mundo como a nutrição ideal. A Pediatria e a Neonatologia naqueles tempos, seguia os parâmetros da alimentação ditada pelos países do chamado Primeiro Mundo.

Igualmente seguia-se aos países desenvolvidos, que desde o começo do século XX utilizavam para o aquecimento e cuidados dos recém-nascidos prematuros e com baixo peso o que Pierre Budin fez no princípio, ao utilizar o invento de Tarniere, as conhecidas incubadoras. Pensemos que isto já significava ir contra a Natureza, que havia estabelecido há 10 ou mais milhões de anos que a própria mãe cuidasse de seu próprio filho. Naquele ano, em Bogotá, se compreendeu que ao colocar o bebê dentro de uma incubadora ele se separará do seu mais precioso tesouro: sua mãe.

Confiávamos nos avanços da Medicina, com as conquistas tecnológicas. Porém, dentro da humana Filosofia, separar um bebê de sua mãe pode ser considerado um avanço?

No IMI, querendo ser bons alunos, além de nos julgar aplicados, até então não tínhamos alternativa: éramos e fazíamos parte dos países em desenvolvimento.

Contudo, nossa condição de país de baixa renda, com serviços de saúde pobres, carente de tecnologias e utilizando fórmulas infantis que não continham células de defesa, sem fatores imunológicos, sem fatores protetores nem funcionais, fazia com que a sobrevivência e, repito, a sobrevivência mesmo, fosse um milagre. Porém, o milagre existia, só que não se o utilizava em substituição de uma “modernidade cara”: os leites em pó modificados.

Hoje, pensando com o senso comum, por que a situação chegou onde chegou? É possível se transformar o senso comum tão facilmente? Ninguém se questionou? Nenhum profissional levantou a sua voz? Ninguém pensou em milhões e milhões de anos de crescimento e desenvolvimento do ser humano, para cair, como ainda caímos, ainda que por aspectos lucrativos, na “vantagem” econômica das fórmulas infantis que, muitas vezes, cega a visão e o entendimento dos neonatologistas atuais?

O Dr. Edgar Rey então propôs que as mães trouxessem seu próprio leite para alimentar seus pequenos bebês recém-nascidos. Começamos a utilizar o leite humano, o leite das próprias mães. Assim se iniciou a mudança: diminuiu a morbidade e consequentemente a mortalidade. Era de nosso conhecimento científico o fato de que os componentes do leite humano asseguravam, protegiam e cuidavam do bebê nascido prematuramente.

Veio então outra mudança, uma transformação que igualmente envolveu o componente humano: abrir as portas! e assim permitir que as próprias mães entrassem para amamentar os seus bebês prematurinhos e de baixo peso no nosso serviço de Neonatologia.

Porém ali ocorreu um fato histórico, de repercussão mundial: não só abrimos as portas do nosso Instituto Materno Infantil de Bogotá, mas, ao abrirmos essas portas, abrimos paulatinamente todas as portas de todos os serviços de Neonatologia do mundo inteiro. Algo transcendente, indiscutível, que o mundo todo aceitou, porém que ainda não está reconhecido plenamente.

Ajuda generosa

Nos momentos cruciais desse começo, quando a credibilidade -não só do mundo, mas da nossa própria cidade- era por momentos difícil e mesmo às vezes cruel, chegou em nosso apoio um “lindo anjo” e toda a sua equipe: a Dra. Teresa Albanez Barnola, Diretora Regional de UNICEF para América Latina e Caribe. Ela rapidamente entendeu, compreendeu, sentiu a importância de respaldar essa Metodologia, que iria não só revolucionar a Neonatologia, mas também a saúde dos prematuros. Não posso dizer até onde ela intuiu que aquilo seria um marco na saúde mundial. Por isso quero ressaltar sua enorme ajuda incondicional, sua visão, sua entrega pessoal e de prestígio, que logrou convencer o UNICEF para que literalmente se comprometesse a nos apoiar.

O UNICEF começou por trazer pediatras, neonatologistas, enfermeiras e gestores de saúde de países vizinhos à Colômbia, para que conhecessem o que nós fazíamos. Posteriormente, esse mesmo pessoal foi treinado por mim e pelos profissionais do Programa Mãe Canguru do IMI.

Assim começou o processo de ensino-aprendizagem dos princípios mágicos - AMOR, CALOR e LEITE MATERNO - que só uma mãe pode dar, na formação desses pediatras e enfermeiras, que depois iriam a seus países de origem – Peru, Bolívia, Equador, Guatemala, Honduras e outros - para igualmente como “pioneiros”, replicar a experiência e dar origem à atual Metodologia Mãe Canguru no mundo.

Dentro desse grupo de ajuda, chegou o Dr. Juan Aguilar como funcionário de UNICEF, e ele se tornou um dos maiores colaboradores do Programa Mãe Canguru: entusiasta, igualmente visionário, grande e decidido, “personagem brilhante” para a consolidação e êxito do crescimento em estrutura e tecnologia na divulgação local e no exterior, que sem dúvida possibilitou o alcance e lugar que hoje ocupa a MMC na saúde mundial.

Parte desse esforço se constituiu da documentação científica da MMC, sua publicação em revistas científicas reconhecidas, assim como o Primeiro Encontro Internacional do Programa Mãe Canguru em Bogotá, em novembro de 1990 e a edição e publicação dos trabalhos apresentados. Também devemos mencionar outra inquestionável ajuda com que nos brindou a Cooperação Italiana e seus muitos membros, que foram enviados à Colômbia para seguir o trabalho de crescimento e divulgação a nível mundial.

Expansão

Com o importante apoio do UNICEF, percorremos o mundo, compartilhando experiências, esclarecendo dúvidas, abrindo caminhos, convencendo céticos, empenhando nossa palavra, e deixando sementes de esperança, cujos frutos se recolhem hoje aos montes nos 5 continentes. O sonho do Canguru se fez realidade. A verdade do amor, do amor materno, do amor dos pais, e o inquietante amor dos irmãozinhos, possibilitaram o alcance do maior objetivo: que aquele pequeno ser possa alcançar a mais querida realidade.

De agora em diante só cabe esperar que esta enorme grandeza não seja convertida em oportunismo vassalo, pouco científico, cheio de adornos rentáveis, cobrindo um sem número de atos médicos desnecessários ou, o que seria pior, subtraindo o protagonismo da mulher e do seu filho para entrega-lo a profissionais supérfluos com os bolsos cheios.

Homenagens e prêmios
Recebemos com enorme agradecimento e humildade, os seguintes galardões:

- Prêmio SASAKAWA, outorgado pela Organização Mundial da Saúde durante a 44ª. Assembleia Plenária em Genebra, Suíça, pela criação de uma Metodologia para o melhor desenvolvimento do ser humano.
- Ordem Jose Celestino Mutiz, máxima distinção do Ministério da Saúde da República Colombiana.
- Membro de honra da Associação Colombiana de Saúde Pública, pela contribuição à saúde coletiva mundial.
- Homenagem a Vida e Obra, outorgado pela Sociedade Colombiana de Pediatria, regional Bogotá.
- Prêmio PASION Cafam - Caixa de Compensação Familiar, Bogotá, Colômbia.

Passaram-se 40 anos, todos de uma constante luta para que não se desvirtue o mais sensível ato natural: o amor da procriação, a dor do nascimento, o amor da entrega sem limites e a amamentação.

Não posso deixar de ressaltar o que o Brasil tem feito, com o comprometimento de pediatras e profissionais de saúde empenhados em melhorar e continuar com essa preciosa iniciativa. Devo citar, entre outros, o Prof. Marcus Renato de Carvalho, por sua entrega, sua inteireza, seus conhecimentos sempre a favor da amamentação e do melhor para todas as crianças. Igualmente, expresso meu enorme reconhecimento ao Dr. Luis Alberto Mussa Tavares, Neonatologista, Cangurólogo, que não só soube aportar seus conhecimentos ao cuidado dos prematurinhos, senão que preencheu a alma e seu coração, pelo fato de haver decifrado e descrito em belos poemas o universo que se nutre com a mensagem de amor, que flui do contato pele-a-pele, entre a mãe e seu filho.

*Texto traduzido do espanhol por Cristine Nogueira Nunes e Marcus Renato de Carvalho, Rio de Janeiro, Brasil, abril de 2019.